"Coisas" do português
Gramaticalmente,
"coisa" pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser
verbo: o Houaiss registra a forma "coisificar". E, no Nordeste, há
"coisar": Ô, seu "coisinha", você já "coisou" aquela coisa que eu mandei
você "coisar"?
Na Paraíba e em
Pernambuco, "coisa" também é cigarro de maconha. Em Olinda, o bloco
carnavalesco Segura a Coisa tem um baseado como símbolo, em seu
estandarte. Alceu Valença canta: Segura a "coisa" com muito cuidado /
Que eu chego já."
Já em Minas Gerais, todas as coisas são chamadas de trem (menos o trem,
que
lá é chamado de "coisa"). A mãe está com a filha na estação, o trem se
aproxima e ela diz: "Minha filha, pega os trem que lá vem a "coisa"!
E no Rio de Janeiro? Olha que "coisa" mais linda, mais cheia de graça...
A
garota de Ipanema era coisa de fechar o trânsito! Mas se ela voltar, se
ela voltar, que "coisa" linda, que "coisa" louca. Coisas de Jobim e de
Vinicius, que sabiam das coisas.
Coisa não tem sexo: pode ser masculino ou feminino. Coisa-ruim
é o capeta. Coisa boa é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim! Coisa
também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, "coisa nenhuma" vira um
monte de coisas...
Mas
a "coisa" tem história mesmo é na MPB: No II Festival da Música Popular
Brasileira, em 1966, a coisa estava na letra das duas vencedoras:
Disparada, de Geraldo Vandré: Prepare seu coração pras "coisas" que eu
vou contar..., e A Banda, de Chico Buarque: pra ver a banda passar,
cantando "coisas" de amor... Naquele ano do festival, no entanto, a
coisa tava preta (ou melhor, verde-oliva). E a turma da Jovem Guarda não
tava nem aí com as coisas: "coisa" linda, "coisa" que eu adoro!
Para Maria
Bethânia, o diminutivo de coisa é uma questão de quantidade, afinal são
tantas "coisinhas" miúdas. E esse papo já tá qualquer "coisa". Já
qualquer "coisa" doida dentro mexe...
Essa
coisa doida é um trecho da música "Qualquer Coisa", de Caetano, que
também canta: alguma "coisa" está fora da ordem! e o famoso hino a São
Paulo: "alguma coisa acontece no meu coração"!
Por
essas e por outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma
coisa de cada vez, é claro, afinal, uma coisa é uma coisa; outra coisa é
outra coisa. E tal e coisa, e coisa e tal.
Um cara cheio de
coisas é o indivíduo chato, pleno de não-me-toques. Já uma cara cheia
das coisas, vive dando risada. Gente fina é outra coisa. Para o pobre, a
coisa está sempre feia: o salário-mínimo não dá pra coisa nenhuma.
A coisa pública não funciona no Brasil. Político, quando está na oposição, é uma coisa,
mas,
quando assume o poder, a coisa muda de figura. Quando elege seu
candidato de confiança, o eleitor pensa: Agora a "coisa" vai... Coisa
nenhuma! A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar; outra é fazer. Coisa
feia! O eleitor já está cheio dessas coisas!
Se as pessoas
foram feitas para serem amadas e as coisas, para serem usadas, por que
então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas? Bote uma
coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas
que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras cositas más.
Mas,
deixemos de "coisa", cuidemos da vida, senão chega a morte, ou "coisa"
parecida... Por isso, faça a coisa certa e não se esqueça do grande
mandamento: "AMARÁS A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS".
Entendeu o espírito da coisa?